CONTABILIDADE: Princípio da Competência
1. INTRODUÇÃO
A Resolução CFC nº 750/93 (alterada pela Resolução CFC nº 1.282/10) dispõe sobre os Princípios de Contabilidade, que devem ser observados no exercício da profissão contábil.
Nesta matéria, destacaremos o Princípio da Competência com base na Instrução Normativa SRF nº 345/03, que trata da mudança do regime de reconhecimento de receitas em função do recebimento (Caixa) para o regime de competência pelas pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido ou enquadradas no regime do SIMPLES Nacional.
Conforme a referida Resolução, a escrituração contábil deverá observar sempre o regime de competência.
Transcrevemos a seguir o art. 1º da Resolução CFC nº 750/93:
“Art. 1º – Constituem Princípios de Contabilidade (PC) os enunciados por esta Resolução.
§ 1º – A observância dos Princípios de Contabilidade é obrigatória no exercício da profissão e constitui condição de legitimidade das Normas Brasileiras de Contabilidade (NBC).
§ 2º – Na aplicação dos Princípios de Contabilidade há situações concretas e a essência das transações deve prevalecer sobre seus aspectos formais”.
Transcrevemos a seguir o art. 9º da Resolução CFC nº 750/93:
“Art. 9º – O Princípio da Competência determina que os efeitos das transações e outros eventos sejam reconhecidos nos períodos a que se referem, independentemente do recebimento ou pagamento.
parágrafo único – O Princípio da Competência pressupõe a simultaneidade da confrontação de receitas e de despesas correlatas”.
4. COMENTÁRIOS SOBRE O PRINCÍPIO DA COMPETÊNCIA
4.1. Variações Patrimoniais E O Princípio Da Competência
A compreensão cerne do Princípio da Competência está diretamente ligada ao entendimento das variações patrimoniais e sua natureza. Nestas encontramos duas grandes classes: aquelas que somente modificam a qualidade ou a natureza dos componentes patrimoniais, sem repercutirem no montante do Patrimônio Líquido, e a das que o modificam. As primeiras são denominadas de “qualitativas” ou “permutativas”, enquanto as segundas são chamadas de “quantitativas” ou “modificativas”. Cumpre salientar que estas sempre implicam a existência de alterações qualitativas no patrimônio a fim de que permaneça inalterado o equilíbrio patrimonial.
A competência é o princípio que estabelece quando um determinado componente deixa de integrar o patrimônio para transformar-se em elemento modificador do Patrimônio Líquido. Da confrontação entre o valor final dos aumentos do Patrimônio Líquido – usualmente denominados “Receitas” – e das suas diminuições – normalmente chamadas de “Despesas” – emerge o conceito de “Resultado do Período”: positivo, se as receitas forem maiores do que as despesas; ou negativo, quando ocorrer o contrário.
Observa-se que o Princípio da Competência não está relacionado com recebimentos ou pagamentos, mas com o reconhecimento das receitas geradas e das despesas incorridas no período. Mesmo com desvinculação temporal das receitas e despesas, respectivamente do recebimento e do desembolso, a longo prazo ocorre a equalização entre os valores do resultado contábil e o fluxo de caixa derivado das receitas e despesas, em razão dos princípios referentes à avaliação dos componentes patrimoniais.
Quando existem receitas e despesas pertencentes a um exercício anterior, que nele deixaram de ser consideradas por qualquer razão, os competentes ajustes devem ser realizados no exercício em que se evidenciou a omissão.
O Princípio da Competência é aplicado a situações concretas altamente variadas, pois são muito diferenciadas as transações que ocorrem nas entidades, em função dos objetivos destas. Por essa razão é a competência o princípio que tende a suscitar o maior número de dúvidas na atividade profissional dos contabilistas. Cabe, entretanto, sublinhar que tal fato não resulta em posição de supremacia hierárquica em relação aos demais princípios, pois o status de todos é o mesmo, precisamente pela sua condição científica.
4.1.1. Comentários Sobre As Despesas
As despesas, na maioria das vezes, representam consumpção de ativos, que tanto podem ter sido pagos em períodos passados, no próprio período, ou ainda vir a ser pagos no futuro. De outra parte, não é necessário que o desaparecimento do ativo seja integral, pois muitas vezes a consumpção é somente parcial, como no caso das depreciações ou nas perdas de parte do valor de um componente patrimonial do ativo, por aplicação do Princípio da Prudência à prática, de que nenhum ativo pode permanecer avaliado por valor superior ao de sua recuperação por alienação ou utilização nas operações em caráter corrente. Mas a despesa também pode decorrer do surgimento de uma exigibilidade sem a concomitante geração de um bem ou de um direito, como acontece, por exemplo, nos juros moratórios e nas multas de qualquer natureza.
Os procedimentos para assegurar que os ativos não estejam registrados contabilmente por valor superior àquele passível de ser recuperado constam no Pronunciamento Técnico nº 1/07, do Comitê de Pronunciamentos Contábeis
.Entre as despesas do tipo em referência, localizam-se também as que se contrapõem à determinada receita, como é o caso dos custos diretos com vendas, nos quais se incluem comissões, impostos e taxas e até royalties. A aplicação correta da competência exige mesmo que se provisionem, com base em fundamentação estatística, certas despesas por ocorrer, indiscutivelmente ligadas à venda em análise, como as despesas futuras com garantias assumidas em relação a produtos.
Nos casos de entidades em períodos pré-operacionais, no seu todo ou em algum setor, os custos incorridos são ativados, para se transformarem posteriormente em despesas, quando da geração das receitas, mediante depreciação ou amortização. Tal circunstância está igualmente presente em projetos de pesquisa e desenvolvimento de produtos – muito frequentes nas indústrias químicas e farmacêuticas, bem como naquelas que empregam alta tecnologia – quando a amortização dos custos ativados é feita segundo a vida mercadológica estimada dos produtos ligados às citadas pesquisas e projetos.
4.1.2. Detalhes Sobre As Receitas E Seu Reconhecimento
A receita é considerada realizada no momento em que há a venda de bens e direitos da entidade – entendida a palavra “bem” em sentido amplo, incluindo toda sorte de mercadoria, produtos, serviços, inclusive equipamentos e imóveis – com a transferência da sua propriedade para terceiros, efetuando estes o pagamento em dinheiro ou assumindo compromisso firme de fazê-lo num prazo qualquer. Normalmente, a transação é formalizada mediante a emissão de nota fiscal ou documento equivalente, em que conste a quantificação e a formalização do valor de venda, pressupostamente o valor de mercado da coisa ou do serviço.
Embora esta seja a forma mais usual de geração de receita, também há uma segunda possibilidade, materializada na extinção parcial ou total de uma exigibilidade, como no caso do perdão de multa fiscal, da anistia total ou parcial de uma dívida, da eliminação de passivo pelo desaparecimento do credor, pelo ganho de causa em ação em que se discutia uma dívida ou o seu montante, já devidamente provisionado ou outras circunstâncias semelhantes. Finalmente, há ainda uma terceira possibilidade: a de geração de novos ativos sem a interveniência de terceiros, como ocorre correntemente no setor pecuário, quando do nascimento de novos animais. A última possibilidade está também representada pela geração de receitas por doações recebidas, já comentada anteriormente.
Mas as diversas fontes de receitas citadas no parágrafo anterior representam a negativa do reconhecimento da formação destas por valorização dos ativos, porque, na sua essência, o conceito de receita está indissoluvelmente ligado à existência de transação com terceiros, exceção feita à situação referida no final do parágrafo anterior, na qual ela existe, mas de forma indireta. Ademais, aceitar, por exemplo, a valorização de estoques significaria o reconhecimento de aumento do Patrimônio Líquido, quando sequer há certeza de que a venda irá se realizar e, mais ainda, por valor consentâneo àquele da reavaliação, configurando-se manifesta afronta ao Princípio da Prudência. Aliás, as valorizações internas trariam no seu bojo sempre um convite à especulação e, consequentemente, ao desrespeito a esse Princípio.
A receita de serviços deve ser reconhecida de forma proporcional aos serviços efetivamente prestados. Em alguns casos, os princípios contratados preveem cláusulas normativas sobre o reconhecimento oficial dos serviços prestados e da receita correspondente. Exemplo, nesse sentido, oferecem as empresas de consultoria, nas quais a cobrança dos serviços é feita segundo as horas-homens de serviços prestados, durante, por exemplo, um mês, embora os trabalhos possam prolongar-se por muitos meses ou até por prazo indeterminado. O importante, nesses casos, é a existência de unidade homogênea de medição formalizada contratualmente, além, evidentemente, da medição propriamente dita. As unidades físicas mais comuns estão relacionadas com tempo – principalmente tempo-homem e tempo-máquina – embora possa ser qualquer outra, como metros cúbicos por tipo de material escavado, metros lineares de avanço na perfuração de poços artesianos e outros.
Nas entidades, em que a produção demanda largo espaço de tempo, deve ocorrer o reconhecimento gradativo da receita, proporcionalmente ao avanço da obra, quando ocorre a satisfação concomitante dos seguintes requisitos:
– o preço do produto é estabelecido mediante contrato, inclusive quanto à correção dos preços, quando houver;
– não há riscos maiores de descumprimento do contrato, tanto da parte do vendedor quanto do comprador;
– existe estimativa, tecnicamente sustentada, dos custos a serem incorridos.
Assim, no caso de obras de engenharia, em que usualmente estão presentes os três requisitos nos contratos de fornecimento, o reconhecimento da receita não deve ser postergado até o momento da entrega da obra, pois o procedimento redundaria num quadro irreal da formação do resultado, em termos cronológicos. O caminho correto está na proporcionalização da receita aos esforços despendidos, usualmente expressos por custos – reais ou estimados – ou etapas vencidas.